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"Entre a paz e a justiça, eu escolho a justiça".
(Roosevelt)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Leitor,

A desconsideração da personalidade jurídica nasce em meio à necessidade de se coibir fraudes – realizadas através do uso abusivo da sociedade personificada – e, ao mesmo tempo, de se preservar o princípio da autonomia patrimonial.

Por meio da disregard doctrine é possível “levantar o véu” (conforme expressão utilizada nos EUA - lifting the veil) da pessoa jurídica e responsabilizar aqueles que a manipularam de forma fraudulenta.

Registre-se, entretanto, que o atingimento do patrimônio dos sócios só se dará em casos excepcionais e, ainda, de maneira episódica.

Pela teoria maior, a desconsideração poderá ser aplicada quando ficar evidenciada a fraude. Em sua concepção subjetiva, o intento fraudulento, necessariamente, deve ser demonstrado, ao passo que em sua concepção objetiva, fatores específicos – cite-se, como exemplo, a confusão patrimonial – podem servir como base probatória para sua demonstração. Porém, seja em uma ou em outra concepção, a fraude é o fator preponderante para a desconsideração.

Em contrapartida, pela teoria menor, a desconsideração será possível mediante insolvência da sociedade e prejuízo do credor, independentemente de ato fraudulento.

Segundo entendimento do STJ, a teoria predominante é a maior, ficando a menor restrita a casos excepcionais, tais como os que se referem ao Direito Ambiental e do Consumidor.

Assim, pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica, faz-se possível atingir o patrimônio dos sócios, em razão de obrigações da sociedade.

Todavia, surge a seguinte indagação: Seria possível uma desconsideração às avessas? Ou melhor dizendo, poderia haver a superação da autonomia patrimonial não para se atingir patrimônio do sócio, mas da sociedade, em decorrência de obrigações daquele?

Antes de se apresentar uma resposta a esta inquirição, a título de ilustração, expõem-se os seguintes casos:

1º) “A”, visando a proteção de seu patrimônio, adquire ações ao portador e o controle de uma offshore situada no Uruguai, procedendo, em seguida, com a transferência de todos os seus bens para a companhia. Note-se que, com este ato, ele não perdeu a disponibilidade de seu patrimônio, ele continua a usufruí-lo normalmente. Entretanto, conseguiu ocultá-lo. Neste caso, eventuais credores não terão sucesso em localizar os bens de “A”, pois, em tese, ele não possui nada, muito embora resida em uma luxuosa casa e desfile constantemente em carros importados;

2º) “B”, casado com “C” no regime de comunhão parcial, passa a adquirir bens, porém colocando-os todos em nome da pessoa jurídica “D”, de que também detém o controle. Em uma eventual separação, tais bens não integrarão a meação, ficando, assim, prejudicados os direitos de “C”, evidenciando, deste modo, uma verdadeira fraude ao direito de família;

3º) Sociedade “E” transfere seu patrimônio para a sociedade “F”, da qual possui o controle societário, ficando, conseqüentemente, em estado de insolvência e inapta a saldar com suas obrigações perante seus credores. Ressalte-se, porém, que os bens que, em tese, pertencem à pessoa jurídica “F” ficam à disposição de “E”, sendo, inclusive, utilizados por ela para o exercício de sua atividade.

Todas as situações estampadas possuem uma mesma particularidade, qual seja, a ocultação de bens.

Sendo a disregard doctrine instrumento de combate à fraude e ao uso abusivo da personalidade jurídica, desponta por óbvio ululante a possibilidade de sua aplicação ao avesso.

A desconsideração inversa, portanto, visa responsabilizar a sociedade por obrigações de seu sócio, logrando êxito, por conseguinte, na recuperação de bens ocultados.

Segundo o enunciado nº 283 do CJF (Conselho da Justiça Federal), “é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo de terceiros”.

Dessa forma, nas três situações acima apresentadas, poderá o magistrado desconsiderar a personalidade jurídica para responsabilizar a offshore company e as sociedades empresárias “D” e “F”, pelos atos de seus sócios “A”, “B” e “E”.

Note-se que no terceiro caso, trata-se o sócio de pessoa jurídica. Nos manifestamos no sentido de que pouco importa ser o sócio pessoa natural ou jurídica para a aplicação da desconsideração no caminho inverso. Se se tratam de sujeitos personificados e detentores de direitos e obrigações, que também podem se utilizar de outras sociedades para ocultar bens e fraudar credores, não há razões para a desconsideração inversa não ser perpetrada.

Falam-se, ainda, em desconsideração indireta. Para a ministra da Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi , a "desconsideração indireta da personalidade jurídica é aquela que ocorre quando diante da criação de constelações de sociedades coligadas, controladoras e controladas, uma delas se vale dessa condição para fraudar seus credores. A desconsideração se aplica então a toda e qualquer das sociedades que se encontre dentro do mesmo grupo econômico, para alcançar a efetiva fraudadora que está sendo encoberta pelas coligadas".

Entendemos, com a devida vênia, que a chamada desconsideração indireta, não passa de uma “ramificação”, de uma modalidade de desconsideração inversa, aplicada nos casos que envolvam pessoas jurídicas organizadas em grupo (coligadas, controlador-controlada).

Neste sentido:

"Agravo de Instrumento. Cumprimento de sentença condenatória. Deferimento de penhora "on line" de numerário existente em contas bancárias/aplicações do devedor. Frustração da penhora em face da informação da inexistência de saldo nas contas bancárias. Devedor é sócio controlador de sociedades empresárias e considerado o maior revendedor de veículos da América Latina. Pedido de aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica para que a penhora recaia em saldos bancários das sociedades empresárias controladas pelo devedor. Indeferimento pelo juiz de primeiro grau. Reconhecimento da possibilidade de se declarar a desconsideração da personalidade jurídica incidentalmente na fase de execução da sentença, não se exigindo ação autônoma, mas, observando-se o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. Prova de que o sócio devedor é, em rigor, "dono" da sociedade limitada e da sociedade anônima fechada, das quais é o presidente, controlador de fato, e, apesar da participação minoritária de sua esposa, ficam elas caracterizadas como autênticas sociedades unipessoais. Confusão patrimonial entre sócio e sociedades comprovada. Patrimônio particular do sócio controlador constituído de bens que, na prática, mesmo que penhorados, não seriam convertidos em pecúnia para a satisfação do credor. Oferecimento de bens imóveis à penhora, que, por se situarem no Estado da Paraíba, distantes mais de 2.600 km de São Paulo, onde tramita a execução, com nítido escopo de se opor maliciosamente à execução, empregando ardis procrastinatórios, que configura ato atentatório à dignidade da justiça. Agravo provido, para deferir a desconsideração inversa da personalidade jurídica das sociedades empresárias indicadas (Limitada e S/A fechada), autorizada a penhora virtual de saldos de contas bancárias. (Agravo de Instrumento Nº 1198103000 – 29ª Câmara de Direito Privado – TJSP – Relator: Desembargador Pereira Calças – julgado em 26/11/2008)". (sem grifos no original)

Sendo a desconsideração inversa também criação jurisprudencial, indelével a análise das ponderações da jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIROS. PENHORA. DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA RECONHECIDA, NA FORMA INVERSA. Existência de dados fáticos que autorizam a incidência do instituto. Possibilidade da penhora de bens da empresa autorizada diante das circunstâncias excepcionais comprovadas nos autos e já destacadas pela sentença, que vai confirmada por seus fundamentos. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70017992256, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, Julgado em 07/03/2007)." (sem grifos no original)

"DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. Ação de execução de sentença. Preliminar de nulidade da execução rejeitada. Os títulos exeqüendos foram acostados aos autos da execução, conforme se verifica dos documentos que instruem o processo. Além do mais, não há falar em iliquidez quando para a apuração do quantum debeatur bastem cálculos aritméticos, o que foi devidamente providenciado pela parte. Mérito. Muito embora na aplicação da disregard doctrine, parte-se do pressuposto que responde o sócio com seu patrimônio particular pela obrigação da empresa, o direito não pode se furtar a aplicação da teoria da desconsideração de forma inversa quando o devedor cria uma veste jurídica para tentar defender seu patrimônio particular ameaçado de alienação judicial por força de dívidas contraídas junto a terceiros. Caso em que o princípio da separação patrimonial deve ser superado e ceder em face de circunstâncias especiais e excepcionais diante da prova robusta de fraude por parte do sócio para desfrutar dos benefícios de sua posição, restando assente que a separação da pessoa jurídica da pessoa física é mera ficção legal, não sendo justificável que o sócio que se esconde sob o manto desta sociedade fuja de sua responsabilidade ou de seu fim social, para alcançar benefícios e interesses antisociais. RECURSO IMPROVIDO POR MAIORIA. PRELIMINAR REJEITADA. (Agravo de Instrumento Nº 70005085048, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 25/05/2004)." (sem grifos no original)

"APELAÇÃO CÍVEL. FRAUDE À EXECUÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ÔNUS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS. Presente a confusão patrimonial entre a executada e a empresa da qual é sócia mostra-se possível a penhora de bem imóvel pertencente à esta, afastando-se o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio, em homenagem à desconsideração inversa da personalidade jurídica, especialmente porque também demonstrada a insolvência da devedora. RECURSO NÃO-PROVIDO. (TJPR - 15ª C.Cível - AC 0504400-6 - Londrina - Rel.: Des. Hayton Lee Swain Filho - Unanime - J. 06.08.2008)." (sem grifos no original)

"SEPARAÇÃO JUDICIAL - Pretensão à comunicação de bens havidos na constância do casamento e à desconsideração inversa da personalidade jurídica de empresas representadas pelo agravado - Matéria que deve ser relegada para fase posterior â sentença - Agravo parcialmente provido, para anular a parte da decisão que antecipou pronunciamento a respeito da incomunicabilidade dos aquestos. (Agravo de Instrumento Nº 3198804000 – 3ª Câmara de Direito Privado – TJSP – Relator: Desembargador Carlos Roberto Gonçalves – julgado em 02.12.2003)". (sem grifos no original)

"Execução - Propositura contra empresa controladora - Confusão patrimonial com empresa controlada - Aplicação da teoria da desconsideração in versa da personalidade jurídica - Inteligência dos art 50 do CCivil de 2002 e 245 e 266 da Lei de S/A - Viabilidade da penhora sobre depósitos bancários ou ativos financeiros, já determinada no Al 433.149.4/7-00 - Recurso improvido, cassada a liminar. (Agravo de Instrumento Nº 451.689-4/2 – 7ª Câmara de Direito Privado – TJSP – Relator: Desembargador Waldemar Nogueira Filho – julgado em 19.10.2006). (sem grifos no original)

Diante do que foi consignado, faz-se manifesta a possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, de maneira inversa, como forma de coibir fraudes e desvio de bens em detrimento de terceiros credores.

* Adaptação do artigo "Da desconsideração da personalidade jurídica e a sua aplicação inversa", de autoria deste blogueiro que vos escreve.
 

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